As Mulheres no Mercado de Imagem – Entrevista com Ingrid Barros
Em um mundo onde a fotografia muitas vezes se perde em meio a filtros e edições, Ingrid Barros, uma talentosa fotógrafa documental de 32 anos de Pinheiro, Maranhão, mas atualmente residente em São Luís, nos lembra do poder da imagem bruta e sincera. Em uma conversa com o projeto Cria da Revista Fhox, Ingrid compartilhou sua trajetória e visão sobre a fotografia como uma ferramenta de expressão e transformação social.
“Eu sempre falo que o processo de fotografia para mim, foi um processo de autoidentificação”
Ingrid Barros
F. Como e quando você começou na fotografia?
I: Eu sempre falo, que eu sempre tive um olhar fotográfico, eu tinha um interesse muito grande pela fotografia. Mesmo sem câmera, lembro das câmeras analógicas da minha família, como eu fazia fotos com essas câmeras, mas fotos de família, fotos bobas. Muitas vezes estragava o filme, mas sempre gostei de ficar vendo os filmes, colocar os filmes no sol, ficar vendo o álbum de fotografia. Sempre fui muito tímida, então sempre fui muito observadora, sempre gostei de observar os detalhes das coisas.
Como também, nesse lugar da timidez, comecei a encontrar um caminho de expressão por meio da fotografia. Para me desapegar dessas câmeras analógicas, na adolescência ganhei uma câmera digital. Quando entrei na faculdade, tive que comprar uma câmera, uma Zenith, né, uma câmera semi-profissional, só que ainda analógica, que comprei no Mercado Livre. Não funcionou muito bem, era uma câmera bem antiga e meio travada. Depois que me formei em Direito, comprei minha primeira câmera profissional com meu primeiro salário. Na época, eu era estagiária e acabei sendo contratada em 2015. Comprei minha câmera pelo Mercado Livre, uma Nikon de entrada, 3200, acho que era esse o modelo. Nesse mesmo período, fazia fotos dos meus amigos, que diziam que eu gostava de tirar foto do cotidiano, do dia a dia, aquilo que me interessava, que era essa perspectiva de observação, de contar histórias, de perceber histórias, de ver beleza nas nuances, nas nossas referências diárias.
Nesse mesmo período, comecei a participar de um coletivo de educação popular em São Luís. Esse coletivo fazia trabalhos de conscientização, formação política, comunicação educacional numa comunidade, a comunidade do Cajueiro, em São Luís. Era uma comunidade que batalhava há anos contra a instalação de um porto na região, que atravessou e atravessa ainda, desmatando grandes áreas de manguezais, toda uma região costeira, afetando a vida da comunidade. Nos meados de 2015, 2016, tínhamos esse trabalho com essa comunidade e, dentro do processo de disseminar esse trabalho, comecei a fotografar nossas vivências, as reuniões que fazíamos.
Foi a partir daí que comecei a ver a fotografia como uma ferramenta de disseminar informações, de contar histórias. A partir disso, comecei a trabalhar com organizações que lutam por direitos territoriais, e também comecei a entrar no jornalismo, contribuindo com jornalistas em investigações sobre violações de direitos. Meu trabalho se fortaleceu no fotojornalismo, mas sempre com uma perspectiva de bem-querer, de falar sobre modos de vida, corpos, especialmente das comunidades do Maranhão. Essas comunidades ativavam memórias da minha avó, do quintal onde brincava na infância. Sempre digo que o processo de fotografia para mim foi um processo de autoidentificação, de me perceber como um corpo político, de trabalhar na prática ideologias, de reposicionamento, de formação de identidade, de me ver como um corpo negro.
F. Qual é o estilo fotográfico que você mais trabalha atualmente?
I: Atualmente, trabalho principalmente com fotografia documental e fotojornalismo. Boa parte do meu trabalho é dentro desse recorte documental. Acho que cada pessoa tem um segmento no qual trabalha melhor. Por exemplo, não me dou muito bem com fotografia de moda ou editorial, mas pensar formatos mais documentais, ou mesmo editoriais com estética mais documental, é o caminho em que melhor me encontro.
F: Qual é o seu objetivo como fotógrafa?
I: Meu objetivo é promover autoestima e auto-referenciamento, especialmente para grupos marginalizados. É esse lugar, de ser uma fotógrafa contra-colonial, pensando em como contar essas histórias, não criando nada, mas cumprindo o que me cabe, tirar esse lugar de imagem, histórias, formato, como pensado, reformatar, recriar essas imagens, trazer outras possibilidades de imagem, auto estima, visualidade, potência, dessas pessoas, desses corpos e histórias. Potencializar essas histórias, colocar no lugar comum, não distante, mas nosso.
F: Quais são os desafios mais significativos ao trabalhar com fotografia documental?
I: Um dos maiores desafios é lidar com a responsabilidade ética de representar as pessoas e suas histórias de forma digna e respeitosa. Refletir sobre a ética, pois o ato de fotografar, historicamente é um ato colonial, antes dominado por pessoas brancas, com dinheiro, que observavam o outro como exótico.
F: Poderia falar sobre suas referências fotográficas?
I: Então eu acho que a primeira referência que eu tenho é a minha amiga Ana Mendes. Lembro que as primeiras fotos que vi dela eram muito inspiradas no estilo do João Roberto Ripper. Essa dobradinha João Ripper com Ana Mendes é uma grande influência para mim. As imagens deles, a forma como fotografavam, e a trajetória construída, especialmente a do João Ripper, é imensa. Ana Mendes uma fotógrafa mulher que admiro demais, não era minha amiga ainda quando comecei a acompanhar suas fotos, mas depois acabamos nos encontrando no Maranhão. Para mim, ela é uma grande referência, trazendo uma fotografia com ética, bem-querer e bem-viver.
Além disso, Walter Firmo, que tem muito desse olhar de captar as essências do Brasil, com sua complexidade e cores, e suas possibilidades visuais. O trabalho dele é uma documentação dessas regionalidades do país imenso e continental, e acho isso muito lindo, muito incrível. Então, se eu pudesse citar referências, mencionaria esses fotógrafos que influenciam diretamente o que eu faço.
Claro, as referências também vêm da minha família, minhas memórias de infância, minha avó Maria, e o quintal da casa dela. Embora ela e meu avô materno já tenham falecido, passei minha infância nessa casa. Foi onde tive contato com a ideia de comunidade, de pisar no chão, ter um quintal arborizado, cheio de árvores de carambola, e ouvir histórias encantadoras. Minha avó era de religião de matriz africana, e mesmo sem ter plena consciência disso na época, hoje vejo como sua espiritualidade se refletia no meu pai e nas histórias e tradições que vivíamos em casa.
Então, acho que muitas das minhas referências vêm desse olhar, dessa memória, e isso transparece nas minhas imagens.
O trabalho de Ingrid Barros cumpre o papel central da fotografia documental, servindo como uma ponte vital que conecta realidades muitas vezes invisíveis a pessoas que não têm acesso direto a esses territórios e vivências. Ingrid retrata essas histórias com uma verdade e respeito inabaláveis, captando a beleza do cotidiano de forma autêntica e digna. Sua abordagem revela que a fotografia não é apenas um meio afetuoso de expressão, mas também uma poderosa ferramenta de transformação social. Vale a pena conhecer o trabalho de Ingrid e perceber como suas imagens têm o poder de iluminar e transformar perspectivas.